segunda-feira, 25 de julho de 2016

A Lenda de Tarzan | CRÍTICA


Há algo peculiar neste A Lenda de Tarzan que o torna distinto de tantos filmes e séries criados a partir dos livros escritos por Edgar Rice Burroughs, algo que o faz ser mais do que uma mera aventura na selva com seus elementos mais que estabelecidos no imaginário popular. Longe de ser uma continuação ou releitura qualquer que atualiza seus personagens e demais atrativos para uma nova época, o filme dirigido por David Yates (dos quatro últimos Harry Potter) enfatiza o contexto do Imperialismo na África do século XIX cujas mazelas não ficaram no passado.


Porque, ao contrário do esperado, A Lenda de Tarzan começa com as tropas belgas do Rei Leopoldo II, chefiadas pelo temível emissário Leon Rom (Christoph Waltz), invadindo uma enevoada região do Congo que possui os raros diamantes opar, uma pedra que vale muito no mercado externo e que poderá prover a revolução de Leopoldo no país – um progresso marcado pela chegada de uma ferrovia, mas para transportar escravos e demais coisas que o homem branco se acha no direito de explorar sem limites. Sendo o local pertencente à tribo do Chefe Mbonga (Djimon Hounsou), tanto o fogo bélico disparado pelos civilizados como a perspicácia de luta de Rom e seu rosário sufocante não contém o ataque dos nativos, mas o estrangeiro tem lábia o suficiente para propor um acordo com o chefe. Uma troca de favores que envolve trazer de volta um certo "homem-macaco".



Outrora chamado de Tarzan, John Clayton III (Alexander Skarsgård) é um modelo de "bom selvagem" que os entusiastas da obra de Jacques Rousseau ficariam debatendo se foi a natureza ou a sociedade que o corrompeu, afinal, foi a vida na floresta que o tornou brutal em troca de sua sobrevivência, exposta nas cicatrizes no rosto que os pomposos trajes e hábitos civis da Inglaterra vitoriana não conseguiram esconder. Um convite formal enviado pelo rei belga ao Primeiro-Ministro inglês (interpretado pelo sempre divertido Jim Broadbent) não é o suficiente para que John se sinta na vontade em voltar ao país de "origem", chegando até mesmo a alegar o fato de ser um lugar "quente". Por outro lado, Jane Porter (Margot Robbie, encantadora) anseia em retornar e rever os amigos que fez na tribo onde morou por tanto tempo, mas se isso ainda não é o suficiente para convencer seu esposo, são os relatos críticos trazidos pelo americano George Washington Williams (Samuel L. Jackson) que fazem o "Visconde de Greystoke" a embarcar no navio, desde já sabotando as intenções de Rom que, todavia, encontra um jeito de estar a um passo a frente.

Escrito por Adam Cozad (Operação Sombra - Jack Ryan) e Craig Brewer, a narrativa do filme apresenta um andamento interessante no que tange a apresentação de seu protagonista e demais personagens que o acompanham na jornada pela mata. Diferente do curioso surfista de árvores da animação da Disney lançada em 1999, o Tarzan de Skarsgård se mostra taciturno, pesaroso, algo que é revelado em flashbacks que surgem ao acaso a partir de incidentes na linha temporal principal, motivando as próximas ações do personagem e o porquê de sua relutância ainda no primeiro ato. Se essas interrupções podem parecer cansativas a quem já sabe de cor a jornada do herói, desconsiderando as diversas alterações propostas nos longas anteriores, tais passagens são suficientes para a compreensão daqueles (se é que existem) que, até então, sequer ouviram falar em Tarzan.


  
Enquanto John/Tarzan não segue lá o melhor modelo de herói empático, provavelmente um efeito causado pela frieza do ator, cabe a Margot Robbie e Samuel L. Jackson complementarem a personalidade do protagonista com seus papéis que, além de se mostrarem presentes, conferem importância à trama. Ainda que Jane reitere quase a todo o momento que não faz o tipo de "donzela indefesa" e, de fato, sua personalidade e ações demonstram força, chega a ser estranho vê-la em cena daquela forma, executando o clichê narrativo de pegar uma faca da mesa durante um jantar, mas é na relação com seu par que a atriz demonstra sua parte selvagem; um casamento que se sugere ser mais sensualizado do que verbalmente passional. Considerando que é sempre prazeroso ver Jackson em cena, dono de ótimos momentos que colocam seu personagem no mesmo nível de deslumbramento do espectador, a fala dita por Williams em um determinado momento clama pela redenção de seus atos no passado que envolviam ataques a mexicanos e índios americanos, esperando encontrar ali nas savanas a chance de reparar sua reputação.

Se tinha tudo pra ser mais do mesmo, A Lenda de Tarzan (Legend Of Tarzan) surpreende pelo carisma de seus personagens, pelo belo resgate de contato com a natureza sem parecer maniqueísta, assim como as impressionantes soluções visuais que David Yates traz ao seu filmes, apesar de haver a sensação de que a narrativa se dispersa – o vilão de Djimon Hounsou, com sua caracterização interessante, é facilmente deixado de lado. Excetuando o caso de que os efeitos visuais (em específico, alguns cenários e animais) poderiam ser mais convincentes, há de se levar em conta que o clima clássico de aventura, daquele que combina a ação e o bom humor em uma época remota (a cena do resgate no trem é ótima), está de volta e não há nada de errado em ter uma pertinente abordagem política, social e ecológica. Bastou um plano para saber que um vagão repleto de marfim de elefantes não é coisa de ficção ou de séculos atrás, mas uma prática cruel que, infelizmente, é mantida e (velada) até hoje.



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