quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A Travessia | CRÍTICA


Em algum momento da sua vida, e talvez num local inesperado, você certamente já teve uma ideia que se mostrou brilhante o suficiente a ponto de querer colocá-la em prática o mais rápido possível. Foi mais ou menos assim com Phillippe Petit, o artista francês que decidiu atravessar as torres gêmeas do World Trade Center em 1974 equilibrando-se num cabo de aço justamente por um desafio pessoal. Com A Travessia (The Walk), o mundo volta a se lembrar dessa história cheia de ímpeto e saudosismo, além de resgatar o lado visionário do diretor Robert Zemeckis.


Ainda morando em Paris, uma dor de dente levou Petit (interpretado por um ruivo Joseph Gordon-Levitt) a correr para o consultório odontológico e, na espera para ser atendido, achou numa revista aquilo que seria, talvez, sua maior paixão. Uma foto das torres do WTC ainda em construção, mas imponentes perante o céu de Nova York. A dor sanou misteriosamente assim que Philippe se lançou ao arriscado desafio, querendo provar a todos e a si mesmo que é capaz de realizar o impossível. Claro que sozinho ele não seria capaz de executar o plano sozinho, logo ele escolhe aqueles que lhes são confidentes, em especial, a namorada Annie (Charlotte Le Bon) e o fotógrafo Jean-Louis (Clément Sibony). Nessa jornada de equilibrista, encontramos também o mentor de Petit, Papa Rudy (Ben Kingsley, sempre fazendo bons mentores), o dono de um circo que, embora impaciente com a excentricidade gritante do jovem, lhe confere a técnica essencial para bons e inesquecíveis números. 


Durante esta magnífica apresentação – Papa Rudy insiste que Philippe tenha um cumprimento próprio para saudar seu público – o jovem faz questão de nos contar pessoalmente passo a passo da sua carreira, até chegar ao ponto de alcançar o topo da torre e então fazer a travessia a mais de 300 metros de altura, algo temeroso diante de quem só tinha feito voltas a poucos metros do chão. Embora seja um recurso narrativo que muitos torcem a cara, esta narração, que embora muito didática (mas não façam em casa!), funciona bem graças a atmosfera circense que Zemeckis emprega na primeira metade do filme, e são muitas as cenas que lembram até as obras de um conterrâneo de Petit, o diretor Jean-Pierre Jeunet. 

Afinal, estamos na França, justamente o país em que o cinema surgiu como uma atração de circo e daí partiu para o outro lado do Atlântico, encontrando a sua magnitude na América. A todo o momento, são várias homenagens que são prestadas, todas breves, mas suficientes em meio a uma história que não tem muito a contar e não é nenhuma surpresa que sua atração principal seja guardada para o terceiro ato, que apesar de rápido e com as intromissões lá na Estátua da Liberdade, ainda traz momentos que surpreendem por sua comicidade inesperada.

Fotografado em 3D por Dariusz Wolski, que também fez um bom trabalho em Perdido em Marte, os planos de Zemeckis são compostos com eficiência, com camadas de objetos que não se perdem em desfoques e outros que saltam na tela, proporcionando uma diversão garantida, sobretudo a primeira e linda sequência (monocromática) na França, fazendo valer o ingresso encarecido desde então. Até as cenas nas torres, carregadas de efeitos visuais, são verossímeis e devem causar vertigem naqueles que dizem ter medo de altura.


Acompanhado das melodias super motivacionais de Alan Silvestri, este conto real se mostra simples como estimado, assim como a habitual simpatia dos personagens que o diretor consegue extrair em suas obras. O que se destaca mais, além do 3D bacana, é o lado burlesco de Petit – ágil, exagerado, de pavio curto! – que, assim como a sua determinação, não se deixa abalar pela altura ou pelo ferimento na sola do pé.

Talvez, particularmente nos dias de hoje, em que quase nada parece render ou (nos) agradar, deveríamos seguir o exemplo de Petit (e se não do próprio Zemeckis): encontrar a inspiração naquilo que mais gostamos de fazer e arriscar a quebrar os limites, muitas vezes, autoimpostos.



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